domingo, 30 de outubro de 2011

As Vozes da Histeria Coletiva

Recentemente, a agência americana responsável em normatizar procedimentos na área da saúde provocou uma polêmica mundial ao publicar uma nota sobre os protocolos de pesquisa do câncer de próstata e mama que contraria o que se tem como verdade há muitos anos. A orientação, apesar de não ter força de lei, balança os alicerces de nossas convicções médicas já que vem de um órgão reconhecido como uma força tarefa nessa área (US Preventive Services Task Force - USPSTF). Abala o conceito já arraigado da validade da dosagem do PSA nos homens e o uso da mamografia nas mulheres.

A dosagem do PSA, Antígeno Prostático Específico (do inglês, Prostate Specific Antigen), tem sido utilizada como um rastreamento inicial na pesquisa do câncer de próstata. Trata-se de uma enzima produzida pelas células da próstata e que pode circular livremente, fração livre ou ligada a uma proteína. É infantil crer que uma boa prática médica use um dado isolado para indicar uma terapia radical com tantos efeitos adversos. O próprio PSA deve ser analisado em seus diversos aspectos, ou seja, sua densidade, suas relações, sua velocidade e complementar a avaliação com dados clínicos, familiares e outros métodos de investigação, principalmente a biópsia de próstata guiada por ultra-som, realizada em nossa clínica com sedação ou bloqueio local, rápida, indolor e sem morbidade. A condenação do PSA de forma genérica, como foi feito nos EUA, estreita o horizonte que o profissional deve ter para nortear suas decisões.

Lembrei, então, que ainda nos bancos da faculdade, frequentava uma reunião semanal, sob o título “Casos de Revista”. A ideia era não apenas absorver as novidades, que à época, ainda sem a internet, já era difícil acompanhar, mas principalmente, acostumar-se à prática de uma visão mais detalhista, extraindo de artigos o que poderia haver de verdade ou então apontar suas falhas.

Tentando resgatar a capacidade crítica que existia naqueles encontros, lembrei que os princípios da USPSTF são dirigidos ao sistema de saúde dos EUA, visando otimizar custo versus benefício. Isso significa que são feitos um milhão de exames para salvar “apenas” uns poucos milhares de pacientes.

Entretanto, vale lembrar que nem tudo que é bom para os EUA é bom para o Brasil, para a Ásia ou para os países europeus. Se em grandes centros, os carros-chefes dos índices de mortalidade são o câncer de mama e de próstata, as doenças do coração (coronariopatias) e os acidentes de trânsito, o mesmo não se aplica a uma pequena cidade do interior do Mato Grosso, por exemplo, onde complicações do estresse ou de acidentes de trânsito não são a principal causa de morte de seus pacatos cidadãos. Quanto ao câncer, é válido destacar que em várias regiões brasileiras a alta taxa de desinformação, precária assistência básica de saúde e hábitos ruins de higiene desviam o foco da mama para o colo do útero. Em certas áreas do Brasil, o câncer de colo uterino encabeça as causas de morte entre as mulheres.

Considerando esta realidade – tão diferente da realidade americana – até onde ir na busca por um possível diagnóstico, qual o limite entre neurotizar e prevenir com bom senso?

Se um turista, ao fazer uma escala no Rio de Janeiro em um dia nublado, escrever em seu diário que a cidade é fria, escura e chuvosa, estará fazendo eco com aqueles que, baseados em um exame isolado determinam uma conduta universal frente a um caso complexo, mostrando uma falta de habilidade médica, para dizer o mínimo, uma visão pobre de um horizonte pontual.

É de bom alvitre ouvir todas as vozes, mas tenhamos o dom de distinguir os gritos histéricos das vozes de bom senso. Converse sempre com seu médico, sua família e com sua consciência.