Tendo surgido a
oportunidade aceitei a oferta do destino e decidi investir em gado. A natureza
se encarregava de aumentar a quantidade de carne e o governo era responsável
por aumentar o preço. Além de lucrativo era divertido e saudável, no
meio da semana ir para a fazenda, muitas vezes ainda de madrugada, tomar café
com meu fraternal amigo e sair para comprar algumas cabeças nas fazendas
próximas, isto é, vizinhas cerca de algumas horas de estrada. Foi mais uma
oportunidade de ver e aprender coisas novas.
De certa feita
ao chegarmos em uma dessas fazendas ao sul de Minas, o dono das vaquinhas e meu
amigo começaram com uma conversa fiada que parecia não ter fim; sentido então
nem pensar;
-
... e Neuzinha, casou ?
-
tá lá né
-
é fogo uai!
-
com esse governo também ...
-
e o tempo?! Nada ajuda sô!
-
...e essas vaquinhas felizes, pastando...
-
...
Isso
foi indo foi indo e na minha cabeça nada batia com nada naquele papo furado,
até que em dado instante já beirando o desespero e sem paciência cutuquei meu
amigo e perguntei baixinho:
-
Não vamos comprar o gado?!
-
Estamos comprando! – sussurrou de volta.
De
fato, após depreciar os pobres quadrúpedes tendo em contrapartida rasgados
elogios do proprietário, depois de viajar na maionese por quase duas horas, divagar
sobre a natureza e vagar por terrenos oníricos que mais pareciam um pesadelo,
saímos de lá com 52 vaquinhas, todas prenhas. Um grande negócio para quem nem
estava negociando segundo meus pobres critérios.
Deixando
de lado o aspecto cômico e folclórico, chama a atenção a dificuldade que por
vezes todos temos de fazer uma leitura correta daquilo que estão nos dizendo em
uma linguagem própria.
Vivemos
hoje na terrinha um movimento parente da primavera árabe que tanto lá como cá sacudiu
representantes e representados e ainda assim, nesse paraíso de Cabral o que
parece é que o gigante se virou para o lado e voltou a dormir. Dorme o gato, os ratos
fazem a festa, mas a mensagem foi clara; a Bastilha está balançando!
Essa
surdez seletiva está fortemente presente nas relações de massas assim como nas
pessoais. O que mais vemos nesses tempos modernos é a incapacidade de se fazer
uma leitura correta do que está sendo dito em alto e bom tom em um linguajar original,
através de gestos, tristeza e indignação.
O
que verdadeiramente surpreende é o espanto que estampa o rosto dos que se
recusam a crer que Bastilha cai, que Roma era o mundo e caiu, que três mil anos
divididos em apenas 17 famílias dinásticas acabou na Praça Tahir e que o povo,
assim como cada um de nós, de uma forma ou de outra acaba por se fazer ouvir.
É
bom ter sempre em mente que embora a conversa pudesse parecer tola e perdida, estávamos
de fato comprando gado.