segunda-feira, 15 de julho de 2013

Comprando Gado

Tendo surgido a oportunidade aceitei a oferta do destino e decidi investir em gado. A natureza se encarregava de aumentar a quantidade de carne e o governo era responsável por aumentar o preço. Além de lucrativo era divertido e saudável, no meio da semana ir para a fazenda, muitas vezes ainda de madrugada, tomar café com meu fraternal amigo e sair para comprar algumas cabeças nas fazendas próximas, isto é, vizinhas cerca de algumas horas de estrada. Foi mais uma oportunidade de ver e aprender coisas novas.

De certa feita ao chegarmos em uma dessas fazendas ao sul de Minas, o dono das vaquinhas e meu amigo começaram com uma conversa fiada que parecia não ter fim; sentido então nem pensar;

- ... e Neuzinha, casou ?
- tá lá né
- é fogo uai!
- com esse governo também ...
- e o tempo?! Nada ajuda sô!
- ...e essas vaquinhas felizes, pastando...
- ...

Isso foi indo foi indo e na minha cabeça nada batia com nada naquele papo furado, até que em dado instante já beirando o desespero e sem paciência cutuquei meu amigo e perguntei baixinho:

- Não vamos comprar o gado?!
- Estamos comprando! – sussurrou de volta.

De fato, após depreciar os pobres quadrúpedes tendo em contrapartida rasgados elogios do proprietário, depois de viajar na maionese por quase duas horas, divagar sobre a natureza e vagar por terrenos oníricos que mais pareciam um pesadelo, saímos de lá com 52 vaquinhas, todas prenhas. Um grande negócio para quem nem estava negociando segundo meus pobres critérios.

Deixando de lado o aspecto cômico e folclórico, chama a atenção a dificuldade que por vezes todos temos de fazer uma leitura correta daquilo que estão nos dizendo em uma linguagem própria.

Vivemos hoje na terrinha um movimento parente da primavera árabe que tanto lá como cá sacudiu representantes e representados e ainda assim, nesse paraíso de Cabral o que parece é que o gigante se virou para o lado e voltou a dormir. Dorme o gato, os ratos fazem a festa, mas a mensagem foi clara; a Bastilha está balançando!

Essa surdez seletiva está fortemente presente nas relações de massas assim como nas pessoais. O que mais vemos nesses tempos modernos é a incapacidade de se fazer uma leitura correta do que está sendo dito em alto e bom tom em um linguajar original, através de gestos, tristeza e indignação.

O que verdadeiramente surpreende é o espanto que estampa o rosto dos que se recusam a crer que Bastilha cai, que Roma era o mundo e caiu, que três mil anos divididos em apenas 17 famílias dinásticas acabou na Praça Tahir e que o povo, assim como cada um de nós, de uma forma ou de outra acaba por se fazer ouvir.

É bom ter sempre em mente que embora a conversa pudesse parecer tola e perdida, estávamos de fato comprando gado.