domingo, 16 de setembro de 2012

O Refém - Um Homem Bom

De repente, depois de anos de cruel exercício olhando sempre para fora, surpreendeu-se mais centrado nele mesmo do que no resto do universo. Nada como um susto para dar um novo norte à sua existência. Uma espada da Dámocles pairando sobre a cabeça, a percepção da finitude e de fragilidade que leva a um misto de penoso desalento e revolta. Acho honestamente que lhe proporcionou um crescimento mais produtivo que alguns anos de terapia. A vida é esse corredor polonês. O que conta no final não são as bordoadas que levamos no caminho, mas os passos que conseguimos dar adiante.

Embora preso a uma rotina de vida em que era comum sacrificar seus interesses em prol de outrem, agonizava dentro dele o refém que embalara por quase meio século. Já verbalizava a palavra “não” com uma estranha satisfação de vitória. Estava gostando! A compreensão de que o amor incondicional é na verdade um suicídio espiritual o colocou no caminho da troca desse prazer, cujo feedback positivo o alimentava com a  vida - literalmente com vida.

Não tinha mais vários problemas, mas apenas percalços. Como não existe essa história de virar a página e fazer uma nova vida, ainda trazia no lombo a carga do passado. O que acontece hoje é o somatório do que fizemos até então. Imaginou pretérito o tempo de questionamentos. O que faria de agora em diante é que iria ditar seu futuro e ainda que não pudesse apagar a escrita de sua vida, nesse momento acreditou que morria o refém.

Durante algum tempo seu sorriso era farto, sua respiração fácil, seu passo firme e a visão clara. Abriu mão de todo tipo de razões para abraçar apenas a razão da lógica. Não contava porém que para seus pares sua alforria era inadmissível. Como poderia não estar disponível 30 horas por dia?

Esse conflito fez seus neurônios baterem pino, as juntas pareceram se desarticular e o coração sambar fora de compasso. Teve a paz por curto tempo e levou consigo o refém que nunca conseguiu exorcizar.

Não presto aqui as últimas homenagens, pelo contrário, lhe renderei tributo por todos os dias do resto de minha vida. Como causa mortis diria apenas: um homem bom.

Nesse novo ano judaico que se inicia, deixo cantada uma mensagem gravada pelo coral Kol Haneshama, onde se diz:

Que seja da tua vontade Nosso Deus
E Deus de nossos ancestrais
Que se renove para nós
Um ano bom e doce

Clique aqui para assisti-la.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Chave Mestra


A fórmula que certas pessoas encontram para tentar burlar o destino e segurar um pouco mais entre nós um parente que parte, é distribuir seus pertences mais pessoais entre os membros do clã. Desta maneira, com aquele objeto circulando por aqui, temos a sensação de que o dono também anda por perto.

Meu avô tinha a mania de guardar em uma antiga caixa de madeira, chaves que iam perdendo sua função. Naquele tempo até que não era má ideia, pois sempre tinha uma porta trancada esperando por uma chave. O amor é lindo! Atualmente, com a facilidade da internet, é possível que achemos em um clique não apenas um chaveiro de prontidão, mas como abrir uma porta com sal grosso, óleo de cozinha usado e um palito de dente, que pode eventualmente também já ter sido utilizado.

Eu fui o beneficiado com aquela caixa de chave mestra, sim porque entre as centenas de peças, sempre havia uma chave para uma porta, tipo um sapato para cada pé ou vice versa e eu guardava aquilo como um tesouro. Embora não tenha lembrança da oportunidade em que ela me pode ter sido útil, valeu a pena tê-la mantido sob a guarda por tantos anos, me fez sentir que poderia se quisesse, ter rompido várias barreiras.

Algumas pessoas têm esse poder de romper barreiras. Elas trazem dentro de si uma chave mestra que se expressa pelo seu bom humor, seu sorriso fácil, sua simpatia, seu olhar maternal e um aspecto pretensamente frágil. Mamãe é assim, uma chave mestra.

É claro que mamãe foi junto fazer a matrícula na “minha” faculdade de medicina. Naquela época, jovem e bobo, senti-me um pouco constrangido e acanhado. Soubesse e sentisse o que hoje sinto e sei, teria levado mamãe pelos braços com o maior sorriso no rosto.

Subindo as escadas daquele imponente prédio na Praia Vermelha, logo à direita havia uma porta que dava para uma pequena sala onde ficavam duas moças cumprindo um dever de fundamental importância na vida dos futuros doutores – preencher papéis. O balcão suportava talvez uns 3 ou 4 estudantes se muito. No intuito de organizar os que chegavam, as meninas meio que criaram uma barreira quando uma delas se dirigiu a minha mãe: - “e a senhora?” Futucando a caixa de chaves do fundo do coração, abriu um largo sorriso, meneou a cabeça e lascou docilmente: “-minha filha, viemos fazer nossa matrícula na faculdade”.

Muito mais tarde entendi que havia sido minha primeira lição. Na prática diária da medicina muitas vezes precisamos romper barreiras e abrir portas no fundo d’alma de nossos pacientes, onde ficam guardados os segredos de um bom diagnóstico.

domingo, 22 de julho de 2012

Não tirem o sofá da sala



Para não quebrar a rotina, assistiam ao jornal da TV no já velho sofá da sala. Ficavam fisicamente próximos e naquele começo de noite pouco ou quase nada se falavam.  O que a princípio podia parecer distância, era em verdade uma intimidade e aproximação que dispensava as palavras. Mesmo no silêncio ele sabia quando ela tinha sede e não passava despercebido nela que havia preocupação no coração dele. Era mais que comum um pensar em alguma coisa e o outro verbalizar. O que havia sido criado naquela relação era tão forte e profundo que por vezes suas almas mal se distinguiam, embora nunca tenham perdido sua individualidade o que mais intensa tornava sua ligação.

Foi um daqueles momentos em que nos perdemos em uma elação interminável de ideias quando um pensamento puxa outro, outro e outro e acabamos dez anos luz do início. Assim a imagem da moça do tempo lhe lembrou da previsão de chuva antes da viagem para Paris ano passado, na véspera da final de Roland Garros que o reporta a desistência de Nadal, que não vai jogar por problemas no joelho, assim como a empregada que não foi trabalhar porque o filho foi operado e tem a louça esperando na pia, que vai cair no seu colo porque ela também está em fase de recuperação de cirurgia e precisa ser cuidada como uma rainha porque ele a ama e ... se percebeu acariciando sua mão sendo correspondido com uma dança de dedos entrelaçados ainda em silêncio, como faziam desde sempre.

Ela se chega um pouco mais permitindo mais carícias enquanto deita a cabeça em seu ombro. Seus corações se aceleram e viajam no tempo de volta aos primeiros encontros, o que os torna um pouco mais jovens sem perder a experiência dos anos. Juntos já haviam navegado muito e de repente se viram explorando outra vez os mais recônditos igarapés um do outro e o sofá da sala foi palco da mais linda e pura expressão de amor explícito.

Ainda colados, a respiração ofegante recuperando-se dos excessos, permaneceram assim por alguns minutos quando ela não aguenta e lembra que precisavam de umas mudanças na casa. Ele também não resiste e consente: - faça o que achar necessário, só não tire o sofá da sala.

Ela se aconchega um pouquinho mais em uma anuência silenciosa e com um doce sorriso em seus rostos adormecem agarrados.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O Leão, um ente querido


Era um domingo preguiçoso. Sentados em sua sala que abrigava uma singela, porém valiosa pinacoteca, além de várias antiguidades, nosso papo fluía como uma nau desgovernada ao sabor da vontade de Éolo, deus dos ventos. Mudávamos de assunto em um piscar de olhos, nossa mente flutuava nas asas de Ícaro quando de súbito ele me vem com essa:

- escolhe alguma coisa
- Ah papai, para com isso! – Mesmo sabendo que nada é eterno, ainda hoje tenho dificuldade de aceitar a finitude dos meus pais. 

Quando criança nunca passou pela minha cabeça meu universo longe das salas de aula e depois, já adulto, jamais me vi sem trabalhar. Em uma pobre analogia, me é difícil conceber aquela constelação familiar se desfazendo. Essa deveria ser uma instituição divina e intocável!

- Eu quero que cada um dos meus filhos sinta o gostinho do meu sangue quando eu partir.
- Que coisa mais mórbida...
me atalhando...
- faz o que eu estou te pedindo.
- Ok, eu quero o leão.

Segundo a crônica familiar, o pai do papai havia comprado aquela figura de um leão talhada em madeira com cerca de 20 cm de altura em um antiquário como presente de noivado. Na minha infância habituei-me a vê-la na casa dos meus avós, depois na casa dos meus pais e agora com garbo, na estante da minha sala.

Valor material não tem. Ninguém vai querer aquele leão, mas é o gostinho do meu pai. Dizer que aquele gordo seguro em prol dos filhos ou o apartamento não tem significado é muita hipocrisia, por outro lado é a mais pura verdade que não identifica tanto um ser querido como aquela chavinha de fenda para óculos com mais de 40 anos guardada na gaveta, o martelo da Chechênea nunca dantes usado, a caneta tinteiro que já não vê tinta há décadas, um carimbo que acompanha a caneta e outras pequenas coisas como uma antiga figura de leão talhado em madeira.

Essas lembranças ficam entre o bem material e uma matéria do bem, bem ao estilo d’alma, que afinal é o que fica de bom.

domingo, 24 de junho de 2012

Sorri é o cacête


Forças protocolares de um país no hemisfério sul, obrigaram o então presidente, em função de seu posto, a receber um Deputado desafeto político e tido pelo anfitrião como a personificação da antiética. Os holofotes da imprensa ávidos por registrar o inusitado explodiram seus flashes sobre a dupla. Em meio aquela cena, um sisudo general ouve do deputado:
- sorria presidente.

- sorrio se eu quiser, estou em meu gabinete e na minha casa! Aqui faço eu o que eu quero!

Caem as cortinas.

O presidente não era exatamente um retrato de candura. Vindo da cavalaria do exército, não raro se confundia cavalo e cavaleiro. Dizia preferir o cheiro do bicho ao do homem (do ser humano, bem entendido), sugeria a um grupo de crianças o suicídio coletivo por se verem suas famílias obrigadas a viver com um salário mínimo, era avesso a imprensa e reza o cancioneiro popular que debaixo de seu quepe de general cultivava frondosa galhada.

Herdei do meu pai a desconfiança da verdade absoluta. Não sei se cultivou esse traço por ser advogado ou se tornou bacharel por já ter essa característica e por não dispor de provas contundentes do dito delito posso apenas lembrar que não basta à mulher de César ser correta, tem também que parecer correta. Diz ainda aquele mesmo cancioneiro que o que está na boca do povo ou foi ou é ou será. De qualquer forma resta- nos apenas torcer para que o ninho de amor do casal não tenha sido dividido com surfistas marombados.

Nessa terra do imaginário, um ex-presidente recebe e chama de camarada um líder vindo do extremo oriente, reconhecidamente um contumaz desrespeitador dos direitos humanos, lidera um partido que se afundou na lama, se acha acima do bem e do mal, assim aparece sem melindres sorrindo ao lado de figuras como Sarney, Renan e Collor e por último ao lado daquele deputado sobrevivente, ainda uma nefasta figura do lado escuso da política e da ética.

Eu que me esgoelei nas ruas prometendo que a união do povo impediria sua derrota moral, me surpreendo com estranha e saudosa lembrança do ex-general cujas palavras foram registradas na imprensa, mas não como haviam sido cozidas em seus limitados neurônios.

O mínimo que me vem à cabeça para esse palhaço que cultiva a ignorância como um troféu é a expressão do mal falado galhado:

Sorri é o cacête!

domingo, 10 de junho de 2012

Sobe e Desce

Iankel era um predestinado. Nascera em uma família tradicional com tudo muito em seu devido lugar, no tempo certo e da forma correta. Da escola trazia sempre boas notas, era querido pelos coleguinhas e o preferido das professoras. Na faculdade era cercado de amigos. Para descrevê-lo de forma sucinta diria que era um líder entre os homens e o tipo querido das mulheres.

Seus pais e os pais destes eram pessoas destacadas na comunidade, não faltavam ao culto do Shabat e além de cumprir com o que acreditavam ser sua obrigação sob a ótica de suas convicções religiosas, contribuíam generosamente para causas sociais.

Cresceu nesse clima de retidão e dogmas, ambientado nas histórias da bíblia e exemplos da Torah, por onde viajava sua imaginação e delírios em mil e uma noites. Era assíduo nas organizações juvenis onde se tornou um expoente. Não foi surpresa, portanto quando anunciou seu desejo de se tornar um rabino, pelo contrário, era uma expectativa da família e foi comemorada como uma vitória de eleição presidencial.

A vaidade é talvez o mais terrível dos pecados capitais. Junte-se a isso a presunção e o resultado é o desaparecimento súbito do chão sob seus pés. Lembro-me de um campeonato de lutas marciais mistas, ainda nos primórdios dessa modalidade, onde o grande campeão e disparado favorito, entrou no ringue contra um ilustre desconhecido. De guarda baixa e nariz empinado acreditava piamente que a sua figura seria o suficiente para espantar a valentia de qualquer um. Foi atingido já nos primeiros segundos por uma martelada no queixo e só soube do ocorrido muitas horas depois, já no leito do hospital, devidamente atendido e medicado.

Outra forma de garantir a derrota é subestimar o inimigo. A história nos presenteia com inúmeros exemplos. Geralmente as vítimas esquecem de pequenos detalhes, justo do tipo que por milênios vem moldando a história da humanidade. Se isso, se aquilo!

E lá ia a vida dando linha a Iankel, quando chega a hora de assumir a liderança em uma sinagoga. No primeiro dia subiu ao púlpito tal qual o campeão, muito confiante, nariz para cima, sem qualquer sinal de humildade que a generosidade da vida se furtou em plantar naquele fértil terreno.

A preleção foi pontuada por uma inesperada gagueira, se perdeu entre o início o fim e o meio, sua lógica foi míope e o que era para ser um triunfo mostrou-se o caos.

Desceu abatido e cabisbaixo, uma figura distante daquela que se via habitualmente e foi direto buscar explicação na sabedoria do velho rabino cuja experiência de vida estava disfarçada sob sua longa barba, marcada em sua pele e em sua coluna curvada.

Dos labirintos das mais diferentes culturas, mosaica, hindu, muçulmana e demais, o velho trouxe à tona com uma espantosa simplicidade um misto de cristalina sabedoria e profícua experiência:

- Se você tivesse subido como desceu, teria descido como subiu.

Enquanto isso nos céus...bem isso é uma outra história.


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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Pecado Capital


Família é assim mesmo, tem sempre uma fofoca rolando, algum desentendimento em pauta e um ranço básico entre as diversas facções, mas em datas festivas estão todos reunidos em torno da mesma mesa. Exceções não raras marcaram a história do homem pela sua virulência e apontam para uma característica a ser corrigida pelo grande arquiteto, quem sabe na próxima fornada. O importante é o espírito de fraternidade. Da capacidade de cada qual em manter a mão estendida para quem precisa no momento em que se faz necessário.

Mas nem sempre assim caminhou a humanidade. Já em Gênesis quando a Consciência onipresente e onisciente questiona Caim “...- e aí Caim? Cadê seu irmão?” À época as relações eram mais informais, porém nem tanto ao mar nem tanto a terra e um mínimo de cuidado seria bastante razoável. A resposta no entanto traduz o descuido, a origem do crime, o nascedouro da barbárie, a fonte onde bebem o egoísmo e o descaso com que muitos tratam seus iguais. “Sou eu por acaso a ama-seca do meu irmão?” Sim, deveríamos ser cada qual um cuidador do nosso irmão, ainda que tenha ele optado por um caminho diverso do nosso, mesmo que a letra de sua música não combine com a melodia da nossa ou que possamos parecer a antítese um do outro.

Não acho que o episódio da maçã tenha levado a algum tipo de pecado. Ora venhamos, um jovem casal em uma praia de nudismo, sol e sombra, água de côco à mão, nada de contas e frutas a dar com pau...foi isso, mais previsível que American Idol e filme de sessão das duas.

O pecado capital é o conceito de “ao nosso reino tudo e ao vosso coisa nenhuma”. Daí, todo malfeito é aceitável e uma conseqüência lógica, facilmente previsível. É um pecado original, ou seja, o que dá início a todos os outros.

O silêncio do Cainchoeira, o encapsulamento protetor de quem se pretendia ser uma reserva moral, o sorriso maroto do advogado do mal, a postura hipócrita dos representantes desse povo esquecido, o conchavo que faz da justiça mais um palhaço desse circo de horrores é o que se constitui no verdadeiro pecado original. O abate físico e violento de seu adversário é apenas mais um ato previsível desse teatro de 5ª categoria.

Estacionar “rapidinho” em vaga de deficiente é não dar a mínima para seu irmão, uma veemente expressão de pecado original. Sempre achei que precisamos ser rígidos nos princípios e maleáveis nas decisões, o que não significa ser indeciso ou viver uma vida sem princípios.

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terça-feira, 17 de abril de 2012

O Mal de Hama

Já fiz todo tipo de conta e não me vem qualquer resultado que justifique o ódio alimentado por alguns muçulmanos pelos judeus. Abdulah sempre que me encontrava, beijava meu rosto e me saudava com “shalom” (paz). Eu retribuía o fraternal carinho e respondia – “Aleikum al salam” (aos que chegam, que venham em paz).

Eu já era graduado quando ele dava os primeiros passos na suave arte do Jiu Jitsu. Na última vez que veio ao Brasil treinamos juntos. Com ele já formado escapei de levar uma surra de alguém 20 anos mais novo por que apenas apontava os golpes e a cada instante perguntava – c’est bien? Afinal, historicamente somos filhos do mesmo pai.

Eu nem tenho como culpar o velho, olhando todos os dias a bela Agar, que o encantava levando água nos cântaros. Seus preenchimentos, na medida certa apenas para afirmar que ali a vida existia, seu sorriso jovial, que não era um convite, mas uma intimação e a medida de seus passos, matematicamente exatos para o balanço meio contido de seus quadris, que dava ao seu caminhar uma espécie de dança do ventre, transtornava o homem de dentro para fora.

Quase dois mil anos depois, nascia em uma região próxima, no mesmo médio oriente, a simpática Fath’ma, filha de um comerciante que após uma vida difícil, se fez líder político e espiritual. Perdera o pai antes mesmo de nascer. Durante sua infância ficaria ainda sem a proteção de sua mãe e de seu avô, tendo sido abrigado então por um tio, mentor e amigo. Ali viria a se casar com Fath’ma e se tornaria mais um problema no pós vida do sogro.

Mohamad, pai de Fath’ma e fundador do islamismo, não só gostava dos judeus e de seus dissidentes, os cristãos, como foi garimpar seus princípios religiosos e buscar neles apoio às suas aspirações políticas. Mesmo frustrado nessa investida, sempre teve para com esses grupos um tratamento diferenciado. Puniu com muito mais energia e rigor, parte de seu próprio povo que não aderiu à nova ordem. É considerado por seus seguidores o último profeta, depois do próprio Abrahão, seu filho e neto, do rei Davi e de Jesus. Foi um iconoclasta e como os judeus, afirmava que “Adonai echad” – Deus é único.

Sua morte ensejou um cisma entre aqueles que defendiam a permanência da liderança com os mais velhos, segundo a “suna” - tradição - e os que a esses se opunham, o grupo do “xia” – camarada - Ali. Sunitas e Xiitas vivem às turras, até os dias de hoje e são os maiores algozes de si mesmo. Depois dos russos e americanos, vieram os talibãs ao Afeganistão, provocando ao seu povo, mais sofrimento e dor do que os estrangeiros que por ali passaram.

No início de fevereiro de 82, a cidade Síria de Hama viveu uma das mais expressivas manifestações da crueldade humana. Um destacamento do exército entrara na cidade a procura do líder Abu Bakr, um fundamentalista sunita, que teria usado os autofalantes das mesquitas, antes com a função de convocação às orações, para conclamar o povo a um levante. Começava um capítulo de ódio raramente testemunhado na história, por ter ocorrido entre irmãos. Invadiram as casas de simpatizantes do governo, promovendo uma “purificação” de fazer corar Gengis Kahan.

Não tardou a retaliação pelos donos do poder. Com requinte de crueldade perpetraram um massacre que mal encontra paralelo com o setembro negro patrocinado pelo hachemita Hussein da Jordânia em 1970. Não satisfeitos em bombardear durante 3 semanas, dos céus e das montanhas, as casas da velha cidade, com seus cerca de 40.000  civis, passaram por sobre os escombros moto niveladoras, deixando a mostra partes do que havia sido uma comunidade. Pedaços de móveis, utensílios e porque não, restos de corpos que apodreciam ao léu. Foram responsáveis o pai e o tio do assassino de plantão e atual ditador da Síria e considerado o maior ataque de um governo contra seu próprio povo.

Diziam que era preciso mostrar do que eram capazes contra seus inimigos. INIMIGOS? Eram seus irmãos. Professavam a mesma crença, falavam o mesmo idioma e dividiam até mesmo o padrão alimentar. Naquela cidade e naquele tempo mostrou-se o lado negro da natureza humana. Quando o bem não se faz presente, aflora o mal em suas diversas facetas.

Quando corruptos cometem genocídio ao colocarem água nas ampolas de remédios contra o câncer, quando a falta de ambulâncias traduz o desvio de verba, quando se assiste a todo tipo de artifício e falcatruas em benefício de algumas poucas pessoas, à custa do bem de um povo a quem deveriam representar e proteger, se está cultivando uma semente do mal que a seu devido tempo irá brotar como o Mal de Hama, que se identifica como uma completa ausência de humanidade.

sábado, 24 de março de 2012

Svetlania em Busca do Amor

A China decidiu que não precisa de tanto minério de ferro, com isso o Brasil exportará menos, o que fará o governo impor regras mais rígidas no mercado interno para equilibrar suas contas, até mesmo para manter o padrão social dos Sarnas. Em compensação surgem por aqui novos horizontes com o petróleo.

Desde que irresponsáveis não nos causem tragédias ambientais, que o Irã não feche o Estreito de Ormuz, que não se faça a guerra entre os homens de má vontade e que no meio desse bacanal econômico as bolsas mundiais entendam que se trata apenas de uma pequena escaramuça familiar, o que era para ser um desastre econômico poderá colocar o Brasil diante de uma boa oportunidade comercial.

Embora a tendência natural seja o equilíbrio, no caso de mais um Iemenita adicionar um novo amigo egípcio no facebook que irá publicar palvras de ordem no mural do seu compadre indiano, que mora em Londres, mas recebe ajuda de sua mãe, casada com um americano radicado na Noruega, representante de uma multinaconal de tecnologia de ponta, cuja holding, Goldberg&Al_Nishfahan é sediada em Israel, é bem possível enfrentarmos ventos e tempestades.

Isabela, vivendo o final de sua era balzaquiana, foi preterida por seu marido que encontrou na secretária, exatamente os 20% que faltavam em sua mulher e “malandramente” trocou 80 por 20.

Francisco, um homem que vive as turras com seu prostatismo e acorda umas 3 ou 4 vezes para urinar, voltando a roncar em uma velocidade próxima a do som que emite quando nos braços de Morpheu, rapidamente se apossou dos 80% da bela.

Regina, frequentadora assidua do casal é irmã de Renata, que acaba de realizar uma mastectomia por não dar atenção aos sinais que o corpo lhe enviava. A irmã sã de corpo mas totalmente paranóica, já fez duas biópsias desnecessárias e sofreu a falta de orientação médica adequada, tornando-se uma intransigente defensora do paradoxo, uma hora ataca a postura mais agressiva e outra a conservadora.

Por suas frequentes dores de cabeça, à pedido do jovem médico doutor Haroldo, Isabela realizou um Doppler de carótidas com um sensato colega que em um exame mais detalhado espiou a tireóide. Ainda que não solicitado, fotografou a glândula com seu razoável nódulo sólido, mais “escuro” e com fluxo anormal de sangue. Por bem entender que havia risco aumentado, sugeriu uma punção para avaliação do tipo de célula.

Chico perdeu o medo, a vergonha e seguiu o conselho de seu urologista que pelos dados encontrados no toque e nos exames complementares sugeriu uma ultrassonografia transretal antes de se decidir pela biópsia.

Esses fatos mostram que a complexidade do mundo não é muito diferente da falta de monotonia do universo humano. Precisam os médicos distinguir entre as turbulências que podem fazer naufragar um final feliz e as monções de sensatez que acabam levando a bom porto, uma viagem iniciada com uma pesada carga de mal presságio.

Com um pouco de dramatização e ironia, bem ao estilo, esses personagens já frequentaram meu consultório, onde realizo ultrassonografias e biópsias. Mesmo tendo à mão todo arsenal necessário para um procedimento indolor e seguro, não raro temos que refrear nosso impulso, para avaliar a indicação e o momento de intervir.

Por outro lado não se pode titubear quando existem uma série de dados, muitas vezes desprezados ou nem mesmo buscados, que não só nos autorizam a prosseguir, como se constituirão em agravantes no julgamento da inação. O que não se pode aceitar de forma alguma é a cegueira intelectual.

Soube que Svetlania, uma jovem russa da cidade de Akhtubinsk, em incessante busca por seu par, se deparou com um homem pescando a beira do lago e admirada perguntou:

  • Nunca te vi, você não é daqui, certo?
  • Sou, é que estive preso por muitos anos
  • E porque?
  • Assassinato.
  • Nossa, e quem matastes?
  • Minha esposa.
  • AAAHHH! Então és solteiro!
Devemos ser atentos, atuais e fieis ao bom senso. A tecnologia não pode anular nossa capacidade de pensar e também não nos autoriza a ser meros observadores. A busca pelo diagnóstico não pode prescindir da técnica assim como não podemos colocar essa responsabilidade sobre as máquinas.

Nessas terras o médico é o imperador, mas não Deus. Não se pode ter medo da prática desses exames que nos indicam um norte, são praticamente indolores, bastante seguros e realizados em ambiente ambulatorial. A biópsia de próstata é realizada com bloqueio local ou de preferência com sedação e muito bem aceita pelos pacientes.

A intervenção guiada pela ultrassonografia, tanto da mama, como da tireóide e da próstata é uma ferramenta que deve ser usada com critério, mas da qual não se pode mais abrir mão.

Qualquer radicalismo, tanto no universo de um corpo como na cidadela da macroeconomia, é uma perigosa incursão à mente de Svetlania.

terça-feira, 20 de março de 2012

Don Juan e o Puro Sangue Marchador

Havia pouco tempo que fazia aquele caminho. Casa nova, trabalho novo e novas caras. Era meio metódico e por isso, mesmo ainda cursando sua terceira década de vida, pegava de segunda a sexta a mesma condução, à mesma hora, no mesmo ponto e até já conhecia uns outros certinhos.

Mas os sistemáticos também amam e embora seus olhos estivessem sempre as voltas com uma leitura, quando necessário não descuidava a vista do “modus masculus”.

Eis que nesse dia subiu em seu ônibus, uma menina dos seus 50 e poucos e foi sentar-se, por certo pela falta de opção, em sua diagonal. Suas curvas ainda eram sinuosas e insinuantes, seu perfume não invadia mas também não negava presença. As leves marcas no canto dos olhos, mostrava apenas os sinais de uma vida, nada de sério, mas o que matava mesmo era o coque meio que relaxado, um misto de sisuda e brincalhona que, denunciando sua forte vaidade, escorria pelo lado de sua face. O que era dúvida e incerteza há uns trinta anos, trazia agora no olhar a confiança e a maturidade, que lhe emprestava uma sensualidade singular.

Impossível não reparar que suas pernas ainda faziam muita ginástica. Quando entrou, um rápido olhar diagnóstico confirmou que estava tudo em seu quadrado.

Se fez parecer muito séria e incomodada com o atrevimento próprio da juventude onde já estivera em um tempo que lhe parecia próximo, embora as marcas dissessem que não.

Quando algumas quadras depois sobe na condução uma jovem universitária, calça justa, decote dadivoso, sorriso solto, veloz e com grande mobilidade, além de uma certeza da verdade que só tem quem a desconhece por completo, o que era para ser sisudez tornou-se um incômodo e preocupação, as pernas cruzadas se descruzaram para cruzar de novo, pois o olhar do jovem pertencia agora a nova passageira.

Mas só uma sensível alma de don Juan, perceberia o que se passava. Abriu mão então da visão daquela potranca de trote rápido e corrida ligeira para fixar-se de novo na dama, que agora se mostrava um puro sangue marchador de looongas distâncias.

Até o fim da viagem manteve-se discreto e fiel em seus olhares e a marchadora aliviada e feliz, reclusa e firme em seu papel nessa peça. Puderam em seus devaneios voar livres na imaginação e um aceitava em estado de graça as carícias que o outro lhe ofertava no templo dos sonhos.

Finalmente chegando a dama ao seu destino, obrigou-se o jovem a se levantar oferecendo espaço e a sua passagem pode ouvir em sussurro:

- obrigada!

E murmurou de volta:

- Quem agradece sou eu.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Um Judeu Envergonhado

Há poucos dias recebi uma mensagem eletrônica de um amigo também judeu que como tal, se dizia envergonhado por essa triste passagem da história, intitulada Israel e o Massacre de Sabra e Chalita - Coletânea de Rosana Bond, sobre o qual tecerei alguns comentários. Queria começar dizendo..., mas são tantas as questões que não sei por onde dar os primeiros passos. Portanto, se tiver um pouco fora de ordem, consideremos a complexidade das questões.

Sem querer advogar em favor de atos inconcebíveis, não devemos perder o foco de nossa crítica e nem acatar a desculpa esfarrapada de que não foi por mal. Se assim se deu, foi no mínimo por falta do bem.

O massacre de Sabra & Shatila (não foi o pobre do Chalita, de quem discordo e a quem respeito) é um exemplo de lacuna na integridade moral do homem. Segundo fontes israelenses e palestinas, o crime foi perpetrado pelos maronitas, inimigos viscerais dos palestinos, enquanto o governo de Israel, responsável pela segurança da área, fingiu que nada via.

À medida que os cidadãos israelenses, oficiais e praças, membros da tropa responsável pela segurança das aldeias foram se dando conta do que se passava, em nome de uma dignidade que ainda cultivavam em si, insurgiram-se contra seus chefes e entraram na comunidade para exercer seu papel de policial, mas já era tarde. O mal triunfara naquela fatídica madrugada.

Não se pode ter como base um suposto direito exclusivo dos palestinos àquelas terras em função da sua presença. Se assim o for, prevalece o fato de os judeus estarem lá desde 1000 AC, enquanto os árabes só chegaram no século VII da era comum. A sua presença foi intermitente e nunca como uma entidade nacional, enquanto os judeus estão ali de forma ininterrupta por 3.000 anos, embora minoritários durante a dispersão.

Não faltam relatos sobre a aridez e o vazio daquelas terras que enquanto possessão jordaniana não presenciou nenhuma rebeldia dos palestinos, até o ano de 1970. Hussein havia oferecido cidadania jordaniana aos palestinos, com todos os direitos e custos que isso representava e como resposta teve a sublevação em setembro daquele ano.

Queriam esses palestinos a renúncia do rei. A resposta irada do rei foi tão brutal que não discriminou entre homens, mulheres e crianças ao ceifar milhares de vidas. Um dos frutos desse levante foi a criação do grupo terrorista Setembro Negro, que voltou suas baterias contra Israel. Também os cruzados antes de sair à caça dos muçulmanos aqueciam-se matando judeus.

Fala-se em mandato britânico como se fora uma dádiva dos céus. A Inglaterra alí chegou por meio das armas. O retorno à “terra prometida” sempre foi uma tônica dos judeus nesses dois mil anos de diáspora. Oravam voltados para Jerusalem e despediam-se no Pessach com a promessa – Le shaná baá be Ierushalaim – Ano que vem em Jerusalém, o centro ideológico e político desse povo, que sempre entendeu sua ausência como uma anomalia a ser corrigida.

Falar em percentual de divisão é uma discussão estéril. Israel tem 30% de árabes como cidadãos, inclusive com assento no parlamento. Ninguém mandou os judeus à Palestina, nome que, aliás, foi uma criação dos romanos, não satisfeitos em expulsar os judeus de suas terras ainda deram a ela o nome de Philistina, em homenagem a seus inimigos históricos. Seria algo como a Inglaterra esticar sua aventura nas Malvinas, destronar o Brasil e dar a essa terra o nome de Argenta, sem qualquer alusão aos políticos brasilenhos que só pensam “en la plata”.

Foi uma conquista e um retorno à casa. A compra de terrenos foi absolutamente legal. Segundo as regras da modernidade, trocou-se dinheiro por terra. Cerca de 600 mil judeus viviam em países árabes em terras por eles adquiridas legalmente por várias gerações e nunca se tentou um levante judeu contra o regime do país em que moravam, nem mesmo quando foram expulsos com uma mão na frente e outra atrás, por questões meramente filosóficas de seus governos.

Frases de efeito não vestem o errado de certo. Citações de governantes ou escribas não dão autenticidade a problemas complexos que torneiam a história da humanidade. Falar em atos de terrorismo de parte a parte é passar por cima de questões básicas e fundamentais, quais sejam, a incapacidade do ser humano de resolver suas querelas por meio do diálogo. Uma vez rompida a relação diplomática, trata-se de forma e nível da violência. Esta se vai estratificando e galgando níveis inconcebíveis por uma mente sã.

Antes de questionar a degola de inocentes, a urina sobre corpos de guerreiros tombados em ação, a rajada em pente fino entregando à morte populações de civis e tantas outras formas de barbaridades, devemos nos bater com toda nossa energia contra a truculência como opção. Condenar um soldado que assassina indiscriminadamente civis distantes dos campos de batalha sem apontar para os responsáveis por colocá-lo em ambiente hostil por anos e não esperar que enxergue violência na simples figura de uma dona de casa comprando frutas na feira, ultrapassa a linha da ingenuidade. Trata-se do cultivo da maldade em uma de suas expressões mais cruéis.

Não se pode invocar a violência que vêm sofrendo todo um povo para deslocar uma nação constituída de seu lugar. É cômodo culpar o Holocausto pela criação de Israel e depois negá-lo, desta forma negando também o direito de existência desse país.

Algumas das manchetes trazidas pelo autor da mensagem são questionáveis, outras contestáveis e uma porção delas já circulam pela área da fantasia.

Sou brasileiro e nem por isso envergonho-me de sê-lo por que não cerro fileiras com os da sarna e canalheiros e embora com o corpo um pouco abatido, ainda carrego no peito a rebeldia dos meus 20 anos e o grito na garganta de que o povo unido jamais será vencido.

Da mesma forma orgulha-me ser judeu por fazer parte de um grupo que vem contribuindo para a evolução técnica da humanidade, que não cedeu às perseguições de 3000 anos, que ainda ri e anda de cabeça erguida e que se insurge contra o mal, esteja ele onde estiver.

Mas é claro, tudo isso é apenas minha opinião, baseada nos relatos colhidos na imprensa e nos contos que o mundo conta.

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segunda-feira, 12 de março de 2012

Dançar não pode


Não sei o que faz um pai, vivendo às margens do grande rio, a todo instante pronto para sua travessia, pedir a seu filho ainda criança, que se insurja contra um império mais forte e poderoso. Por ter vivido a maior parte de sua vida no lodo da violência, conhecendo as mazelas das batalhas, deveria lhe restar um pouco de bom senso para não deixar como herança essa carga ignóbil a quem mais devia prezar.

Não era o que pensava o cartaginês Amílcar Barca, pai de Aníbal. Eu diria a meu herdeiro que achasse uma boa moça, fugisse das confusões, criasse uma bonita prole e fosse viver feliz.

É intrigante a morte coletiva de golfinhos que se lançam à praia e sucumbem na areia. O mesmo fenômeno ocorre periodicamente com certos tipos de roedores que atravessam milhares de quilômetros para por fim a própria existência, jogando-se no mar. Eventualmente surge um salvador da pátria, que encontra no sacrifício de todo grupo de prosélitos, a melhor saída para as agruras da vida, o que é um tremendo contrassenso. Mas a história está cheia deles.

Meu pai contava que de certa feita, na Pérsia moderna, um observante buscou orientação com seu Aiatolah:
- mestre, dançar é permitido?
- Nem pensar, aqueles movimentos libidinosos do corpo, seus rostos colados mirando o infinito, os olhares suados e quem sabe até sussurros... uma clara manifestação do demônio.
- e transar de quatro?
- pode
- ponta cabeça, de trás e de lado?
- pode, pode, pode
- na cozinha, na escada e na mesa?
- pode, pode, pode
- assim e assado
- pode
- e de pé?
- NÃO ! Pode parecer que está dançando.

E nem adianta argumentar. É dogmático. Aqueles que estão absolutamente certos da verdade estão em verdade com suas mentes fechadas para uma possível verdadeira verdade. Pode parecer loucura, mas é a mais pura verdade. Ih!

A guerra leva o homem a um estágio anterior de sua evolução. O exercício contínuo da barbárie desperta a besta que vive domada e adormecida em cada um de nós.

Sem mencionar o estrago que provocou em dezenas de milhares de constelações familiares romanas, o cerco imposto a Roma por Aníbal custou a seus homens algumas temporadas na lama longe de suas mulheres. Quando me atraso no trabalho já corro quase insano para os braços de minha amada, o que dirá de alguns invernos.

Nas últimas 72 horas cerca de 160 bombas foram lançadas de Gaza no território israelense por grupos independentes que não tem apoio de sua liderança, hoje fragmentada. Bibi foi aos States pedir que Obama baixe um porrete mais ou menos preventivo no Irã, que dá suporte e vida ao Hamas. O americano quer que os israelenses façam esse trabalho sujo, mas precisa estar certo de que não haverá falhas. Justo na antiga Pérsia, que sob a égide do grande aquemenida Dario, livrou os judeus das mãos de Nabucodonossor, responsável pela primeira destruição do Grande Templo e em seguida a escravidão do povo de Israel.

Se não pararem os Irãs agora, a linha de frente da guerra é a que menos sofrerá. As bombas cairão no centro das grandes cidades penalizando civis. Por enquanto morrem misteriosamente cientistas, os fundos necessários para alimentar o povo estão enriquecendo urânio, a verba de educação aquece o forno de Lúcifer, infindáveis reuniões são agendadas na ânsia de encontrar o mais eficiente método de anulação de diversos povos e tudo em nome da modernidade e da paz entre os homens de boa vontade.

Por aqui bolsas de estudo são oferecidas a filhos de milionários, o exemplo que vem das casas da lei são os mais nefastos, a choldra padece e seus lideres enriquecem, o sexo dos anjos, ainda não definido, ocupa as primeiras páginas dos jornais, programas como o bolsa família são um tiro no pé, a violência nas ruas aponta para as lacunas das UPPs, Ricardo Teixeira, vulgo “o pulha” posa de herói, mas pelo menos o país tem verão, futebol e carnaval!

Há pouco tempo uma peça publicitária advertia que se fizéssemos do carro uma arma, acabaríamos nós mesmos vitimas desse mal. Estamos sendo punidos por não usar com sabedoria a democracia e a liberdade.

O homem continua lançando-se às praias e ao mar como certos golfinhos e roedores, a fazer promessas suicidas em defesa de sua honra, usar a brutalidade como meio de se chegar à paz, a enxergar um horizonte pontual e esquecer que faz parte de um universo.

Tudo é permitido, mas um comentário nem tão diplomático nem pensar, é mexer com nossos brios, tocar na ferida, um chamamento à guerra, mesmo porque se nada fizermos corremos o risco de parecer que estamos dançando.

Sei lá, coisa do demônio!

quinta-feira, 8 de março de 2012

Só morrer!

Há alguns dias, encontrei um amigo que havia estado presente no sepultamento do meu pai. Lembramos de passagens hilárias protagonizadas por ele e pelas tantas pediu que enviasse por e-mail, as palavras que eu dissera naquele dia, que o tocara fundo.

Nunca houve nada escrito, foi uma explosão de emoção entrecortada por um nó na garganta que me roubava constantemente a voz. 

Terminada a primeira parte das orações, a família foi convidada a dar um depoimento. Olhamo-nos como que jogando a responsabilidade nos ombros do outro e em resposta cada qual teve o silêncio do seu irmão. Percebendo que ninguém tinha a intenção e nem condição de falar, fui lançado à frente por uma estranha força. Aceitei aquilo como um pedido do papai que, como vaidoso que era, teria adorado ser lembrado com palavras, sua marca registrada. 

Em homenagem ao bom piadista que fazia graça da desgraça, comecei contando, ainda sobre o caixão, uma história que ele havia me passado em meio a muitas conversas que tivemos: Três pessoas foram condenadas à morte e como desejo derradeiro, o primeiro escolheu uma farra, o segundo quis fazer um discurso e o terceiro, que era ele, queria morrer antes do discurso. Busquei então ser breve e o que disse foi mais ou menos isso: 

“Quando buscava uma resposta aos gemidos dos doentes, nos primórdios da minha vida acadêmica, ouvia com freqüência de alguém mais experiente que bastaria um analgésico e passava a dor. Para a minha felicidade, fundamental na minha formação profissional e como ser humano, naquele início de vida médica, tive a oportunidade de me ver do outro lado, na situação do paciente e pude perceber que na maioria das vezes é preciso mais, é necessário um suco de laranja, um ombro amigo, alguém que lhe ouça, enfim alguém ao seu lado. 

Meu pai era esse cafuné. Nunca nos faltou nas horas de aperto e apontava sempre para onde ele achava ser o melhor caminho, deixando para nós a palavra final. 

A ética foi um traço que há milhares de anos uniu alguns homens em torno de uma idéia. Adonai elocheinu, adonai echad (ch = rr) - O senhor é nosso Deus e Deus é único. 

Se dizia um ateu de corpo e alma, mas fez parte daquele grupo antigo no sentido de seguir, como na ideia original, uma linha reta de comportamento. Fez da ética uma bandeira, viveu por ela e não arredou pé um centímetro sequer, mesmo nos momentos de maior crise. Uma de suas marcas mais fortes, que deixou de herança aos filhos, foi o amor que nutriu pela Dorinha, minha mãe. 

Remetendo-me de volta aos hospitais, lembro então quão tolo fui. Durante toda minha vida médica, quando buscava consolar um familiar de um paciente que havia falecido, dizia – era velhinho, uma vela que se apagou, viveu sua vida e agora acabou! 

Quanta tolice! Que involuntária crueldade. Hoje bato no peito e peço perdão a todos a quem havia dito tamanha asneira. Como diz Lia, nosso velho nunca é velho. 

Por toda herança cultural que papai nos deixou, pelo exemplo de quem foi, pela sua forte presença, hoje, outra vez do outro lado, descubro que meu pai não acabou, ele apenas morreu!” 

Saudades pai.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Na Terra de Nuncas

Todo malfeito é justificado por seu agente com lógicas transversas ao bom senso e aos princípios do convívio social. Quando surpreendidos pela lei se veem cabisbaixos e arrependidos, certamente por terem tido frustradas suas malévolas intenções. Os pequenos delitos quando ignorados servem de sementes do mal para um dano mais abrangente no futuro e são um estímulo às grandes falcatruas.

Presenciamos nesses dias em São Paulo, tristes cenas de selvageria no que se esperava ser a coroação de uma grande festa popular, fonte de lucro de empresários do crime, que se mostrou nesse episódio, um tanto desorganizado.

O fato marcante em todas essas crônicas policiais é que indivíduos de posses ficam invariavelmente impunes, enquanto o ladrão de galinha vai engrossar as fileiras do crime em sua escola maior que são as casas de detenção. Nunca o mal foi tão gratificante e compensador. Nunca se plantou nessa terra, de forma tão orquestrada e acintosa, a semente do mal.

Dirijo um centro médico na Barra da Tijuca, situado em uma rua que apesar de ter alvará e constar no Guia da Guarda Municipal, curiosamente é desconhecida da prefeitura. Inúmeras e infrutíferas foram as denúncias ao número divulgado para atendimento ao cidadão.

Ônibus de empresa privada que atendem aos condomínios, se apossaram da via pública, colocaram cones onde melhor lhes convinha, atrapalharam o ir e vir de funcionários e usuários e se mostram zangados e ameaçadores quando chamados a atenção.

Por último destruíram placas de proibido estacionar, indignados por estarem elas ali. Então felizes, lépidos e fagueiros interferem com o fluxo do trânsito, certos de que nunca lhes será imposta qualquer punição.

O próximo passo, a exemplo do que ocorre com taxistas e milícias, tomados pelo torpor do poder, passarão a legislar sobre o que pode e deve ser feito nas imediações, quem serão os amigos, participantes é lógico de uma caixinha, que poderão usufruir da ilegalidade e se elegerão executores do castigo aos “infratores” seguidores da lei e da ordem pública.

Conhecendo a linguagem dessa Terra de Nuncas, não posso jamais afastar a possibilidade de parcerias com funcionários da instituição pública, gerando conforto e lucro para alguns em detrimento do custo que isso possa acarretar aos cidadãos de bem.

Nessas fantasias de nossa infância, temos um herói que se recusava a crescer e um fora da lei que se negava a exorcizar seus fantasmas. Não foi por outro motivo que ficaram presos na Terra do Nunca.

Se nós, na vida real não optarmos pela dor do crescimento e encararmos nossos problemas, estaremos fadados, como os personagens do conto a viver para sempre nessa terra de nuncas.


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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

LECH LECHÁ!


Não foram poucas as vezes que me senti amarrado, trancado, sem espaço, parecia-me impossível evoluir e faltava-me vontade de lutar. A vida parecia ter dado um nó. Isso aconteceu nos treinos de Jiu Jitsu, o mesmo ocorreu na minha vida profissional e não foi diferente nas minhas relações pessoais.

Existem pessoas que nessas ocasiões provocam a vida e desafiam o destino. Meu pai sugeria sempre essa postura arrogante diante dos problemas com os quais a vida nos presenteia. Aprendi o ensinamento e acreditei ser um entre poucos, mas eis que os céus colocaram em meu caminho uma menina que absorveu essa aula mais do que eu. Quando penso que estou sendo audacioso, olho para meu lado e vejo minha Lia alguns passos adiante.

Abraão, que a história fez patriarca, era um beduíno dado a ouvir vozes. Não as de Bilac, que por amar ouvia estrelas, mas vozes com razões as mais diversas. Algumas até que eram saudáveis enquanto outras inconfessáveis. Dando ouvido a esses conselhos vindos do etéreo, uma vez quase mata o próprio filho, no caso salvo por uma visão, manifestação avançada de sua esquizofrenia acredito eu. Em outra, sempre aconselhado por sons que ninguém mais ouvia, assumiu a paternidade de um rebento, fruto de uma relação extraconjugal com uma doméstica que trabalhava pela comida (alimento, bem entendido) e que dá o que falar até os dias de hoje. Coisas de família.

Até que entendo um pouco, pois assim como eu, Abraão passou uma fase em que fechava os olhos e não repousava, quando os abria, cansado, já não enxergava o que via. O ar entrava e saia de seus pulmões, mas não respirava. Nem sua própria voz mais ouvia e o que dizia ninguém escutava. O sangue corria leniente em suas veias, a secura das lágrimas embotava sua mente e nem mesmo a luz do sol lhe deixava contente.

Estávamos mortos em vida!

Foi nesse momento de nossa existência que, cada um no seu tempo, tivemos ambos a mesma conduta, eu segui o que meu pai sugeria e ele o que disse a voz: “- Lech lechá” (leia-se lerr lerrá), uma expressão do dialeto da época, antigo hebraico, que traduzida seria algo como “- VAI NESSA”. Não olha para trás, larga seu conforto, seu jardim, abandona sua comodidade e seus pertences, a terra onde nasceu e foi criado, tudo que conheces e com que tens intimidade e – LECH LECHÁ!

Ele viria a se tornar o patriarca de grandes nações e eu mais humilde, conheceria a felicidade ao lado de minha Lia.

Há momentos em nossa vida em que precisamos ouvir uma voz que pode parecer esquizoide, mas como já esgotamos quase tudo dentro de nós, devemos provocar a vida, desafiar o destino, debochar do perigo e ... LECH LECHÁ!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Um Largo Sorriso

Walhalla antes de ser o nome de um templo na Alemanha, muito apreciado pelo anticristo Hitler e que ironicamente guarda memórias de famosos judeus, era o nome do jardim paradisíaco para onde eram levadas as almas dos guerreiros vikings, tombados com honra e valentia em suas batalhas.

Seus espíritos eram resgatados nos campos de guerra por divindades de extraordinária beleza, com suas batas esvoaçantes e seus cachos sobre os ombros. Pareciam flutuar quando caminhavam e para o bem da comunidade, cada viking tinha a sua.

Houve vários momentos distintos em minha vida e de cada um guardo peculiaridades.

Eu me envolvera na importação de um equipamento de vôo que era um parapente motorizado, com um assento que podia levar até duas pessoas. Havia conhecido o comandante chefe das forças especiais e após um início frio, nossa amizade ganhou contornos de velhos amigos. Chefiava cerca de 200 homens que realizam missões impossíveis em qualquer parte do país. No meu conceito, pelo pouco que vi, era um grupo de loucos. Saltavam de pára-quedas e entre o céu e a terra, o que era um pesadelo para mim, eles faziam sorrindo.

Conseguimos o impossível nas repartições públicas de importação. Em uma ocasião, ele a paisana e eu de gravata, me apresentou como seu superior. O engraçadinho do funcionário gracejou:
- se você é o comandante dessa tal de forças especiais, eu sou a rainha da Inglaterra
Após apresentar seus documentos, que gelou o sangue do burocrata, retrucou
- Você ainda quer os documentos do meu chefe? Se ele mostrar, você vai ter que provar que é a rainha da Inglaterra.

Em poucos minutos saímos com os documentos em mãos. Faríamos uma apresentação do mercado brasileiro e do especial interesse do exército, para representantes da empresa produtora do equipamento, que viriam ao Brasil especificamente para esse encontro e eu precisava de um retro projetor.

Lia e eu éramos apenas um pouco mais que bons amigos. Falávamos constantemente e já contava com ela como certa nas horas incertas que eventualmente pudessem surgir. Festa no Olimpo!

Óbvio que o retroprojetor veio das mãos da Lia. Fui apanhá-lo na portaria de seu trabalho. Conversamos rapidamente, me desejou boa sorte, nos despedimos e iniciou sua caminhada de poucos metros de volta ao prédio.

Fiquei apoiado com um dos pés no estribo do carro, enquanto repousava meu queixo sobre os braços cruzados na capota, olhando aquele anjo se afastar. De repente os movimentos eram em câmara lenta. Empinada, parecia um puro sangue e eu fui tomado por um pensamento humano e másculo:

- Se ela olhar para trás é sinal que me quer. Nem eu sabia o quanto a queria.

Foram segundos eternos e angustiantes, parecia uma Valquíria levando a alma de seu guerreiro, o vento que vinha estranhamente do saguão junto com seu flutuar, balançavam sua saia e suas madeixas brincavam por sobre os ombros.

Eu não desviava meu olhar e mal piscava, quando já no topo da escada, com seu braço rente ao corpo, moveu sua mão em um zigue-zague, de “até breve” e seu rosto, voltado um pouco mais que para o lado, olhando para trás mostrou um discreto, porém INDISCUTÍVEL condescendente sorriso.

Mas eu!? Ah eu não! Em meu rosto estampou-se escancarado, para quem quisesse ver, um abusado e LARGO sorriso.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

De mecânico, de médico e de louco...

Um dileto amigo médico lembrou outro dia, palavras sérias e compenetradas da esposa de um paciente a seu marido, que após ter se auto medicado, não se sentia nada bem – “... a automedicação leva à morte!”

Passado o tempo e ainda que possa parecer jocosa, essa alegação reveste-se de seriedade quando nos deparamos com uma assustadora estatística de pessoas que não satisfeitas em se “consultar” com o balconista da farmácia, que nem técnico é, ouvem amigos, estranhos, pesquisam na internet, se prendem a mensagens alarmistas divulgadas na rede e muitas vezes seguem um instinto baseado em histórias que ouviam de seus avôs.

Ainda garoto, após assistir a um mecânico consertar meu carro e claro, com a arrogância e a petulância da juventude, aventurei-me a fazer o mesmo. Era uma época em que se regulava um motor como se afina um violão. Era preciso ter ouvido, escutar o motor, sentir sua “respiração”, conhecer o equipamento e basicamente saber o que está fazendo. Para resumir, não seria surpresa o final dessa história acabar na oficina.

Constantemente sou questionado por pacientes e amigos sobre uma matéria publicada em uma imprensa dita de credibilidade ou pescadas nas ondas etéreas da internet.

Em um desses artigos, um curioso dissecava as nefastas conseqüências da biópsia de próstata guiada pela ultra-sonografia. Como uma metralhadora giratória lançava ameaças de todos os tipos cujas causas teriam origem em um procedimento rotineiramente realizado a nível ambulatorial pelo mundo afora, já por dezenas de anos. Eu mesmo tenho uma casuística de biópsias de mama, próstata e tireóide que ultrapassa a casa de vários milhares, com mortalidade zero e morbidade medida em fração de uma unidade.

Por mais que eu tentasse fazer alguma associação da biópsia da próstata com insuficiência cardíaca congestiva (belo nome), não achava o caminho e me perdia nas tramas do interlocutor, tão alucinantes que eram. Tentei extrapolar para o câncer de mama que deve obedecer aos mesmos critérios médicos de decisão, mas em vão.

Há que se ter uma postura equilibrada, bom senso, conhecimento de causa para não tomar decisões de ouvido, não afinar todos pacientes sob um mesmo diapasão, não decidir por um procedimento com um horizonte pontual e também não perder o “timing”, por que fatalmente acabaremos com nossos pacientes na oficina do corpo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Atabrás, o Messias Brasileiro


Mais que a munição dos aliados, foi Ataturk, o pai dos turcos, a verdadeira pá de cal que enterrou por definitivo o Império Otomano. A partir do século XIII a onda muçulmana invadiu a Europa, norte da África, Oriente Médio e estendeu seus tentáculos por setecentos anos, indo até a Península Ibérica onde deixou suas marcas e uma linda herança cultural.

No final da primeira grande guerra fez-se a partilha do butim, porém a Turquia queria mais, cabendo a esse líder, um verdadeiro estadista, a reorganização daquela sociedade e seu resgate da idade média. Sem perder sua identidade muçulmana, Ataturk promoveu uma série de reformas, que de tão intensas e radicais ganhou nome próprio - Kemalismo, uma alusão ao seu segundo nome, Kemal – perfeição, maturidade – e que era, também como o nome “Ataturk”, uma invenção, por que até então, por norma, só existia o pré-nome, no caso “Mustafá”, um desconhecido que viria a se revelar um verdadeiro messias, morto pelas mãos de seu companheiro constante, o álcool, ironicamente libertado das garras do fanatismo islâmico pelo kemalismo.

Voltando nossos olhos agora para a terrinha dos Cabrais (que merda hein!), também aqui encontramos um líder político cujo nome vai para a história por, entre outras baixarias, ter desbancado o Piauí como símbolo de atraso, em favor do seu estado, o Maranhão.

Seu nome, diferente de Ataturk e por estranha coincidência, deriva de um parasita – José da Sarna, vulgo Sarney, com “Y”, à época, uma letra estranha ao nosso alfabeto. Esse é um país muito permissivo com as transgressões, desde administrativos até no vernáculo. O que Dilma fez ao optar por ser chamada de “presidenta” não foi criar um neologismo, longe que está de Guimarães Rosa, mas perpetrar um virulento ataque ao nosso idioma.

Em oposição ao personagem turco, o da sarna tudo faz para levar o país a um tempo de escuridão intelectual, social e moral. Sua trajetória política é um mar de oportunismos. Seus interesses foram a constante de sua vida e suas amizades efêmeras e falsas. Traiu seu povo, seus amigos, os princípios democráticos que tanto alardeia e contribuiu de forma singular para disseminar uma cultura nacional maquiavélica.

Eu sonho em encontrar uma lenda indígena tupiniquim que fale de alguma entidade mágica que ainda descerá dos céus, - “virá que eu vi” -, como dizia Caetano, para libertar seu povo do limbo da crueldade humana.

Há cerca de 2000 anos o mundo presenciou outra Primavera Árabe. A classe dominante era então representada pelos romanos que cobravam impostos absurdos de sua gente sem dar grandes coisas em troca. Quando mesmo o pão e circo já não eram suficientes, começou a brotar na alma dessa gente a semente da indignação. Sentimento que falta ao brasileiro!

Ansiava-se por uma salvação que literalmente caísse do céu. O campo fértil da ignorância foi o caldo de cultura que fez com que a cada momento, apontassem um salvador. Quando do alto da montanha, olhando a cidade de ouro, Jerusalém, Jesus se viu cercado por uma multidão, rapidamente se descalçou e pediu um burrico, pois assim rezava a lenda –“O messias viria seguido pela multidão de prosélitos, descalço e montado em um asno.” Perdoem-me a incursão nesse campo tão delicado, mas apenas componho a música, a letra está registrada nas escrituras.

No Brasil a natureza tem feito sua parte na produção de pragas, como essas enchentes em um pólo e a seca em outro, mas esse povo que é uma liga de várias etnias resiste bravamente.

Paradoxalmente para um ateu e homem do bem, rezo para que lhes falte o pão e o circo, que lhes exploda a indignação no peito e que lhes surja um “atabrás”, ainda que de pés na terra e dirigindo um calhambeque, mas que venha cheio de esperança, de razão, lógica e bom senso, para que no fim de tudo possamos nos curvar, não para pedir, mas para agradecer por uma graça alcançada. Amém.

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domingo, 8 de janeiro de 2012

À Lia, Lechaim


Poderia começar afirmando com tranqüilidade que o torno mecânico que Deus usou na confecção da Lia é de ouro e platina, foi usado apenas uma vez e está exposto em um pedestal lá no céu, mas vou optar por contar nossa história segundo minha ótica.

Conheci a Lia por uma trapaça do destino. Depois dos tempos das vacas gordas, havia procurado a sinagoga oferecendo meus préstimos na esperança de divulgar um trabalho e quem sabe colher alguns frutos, porque não?! Meus filhos haviam ido lá, também em busca de socorro, pois atravessávamos um período de vaca nenhuma.

Trouxeram um cartão de uma Lia, que não era a que minha seria, escrito nas costas o telefone de outra Lia, que sabia o destino já era minha, posto que de ninguém mais seria.

Nosso primeiro contato já foi uma longa conversa ao telefone que se prolongou pelos dias e semanas seguintes. Ambos somos pródigos na arte da conversa e não é a toa que Ilana não deixa ninguém falar.

Partimos para os e-mails e ficamos entre esse e o telefone por 2 ou 3 meses até que em um evento para os médicos que participavam do projeto que Lia, a minha, conduzia, tivemos a oportunidade de olhar um nos olhos do outro.

- É a cara da voz! – disse minha Lia. Eu engasgado fiquei sem voz e no Olimpo os deuses se riam!

A partir de então nossa conversa já era uma rotina diária. O único dia em que não nos falamos não existiu, foi apagado do nosso calendário e registrado no diário de bordo como uma falha que jamais deveria se repetir. Até que houve o momento que não mais nos víamos...separados. A sensação era de reencontro de almas de vidas passadas, passadas como uma só vida. Nossa existência juntos era uma imposição natural como é o oxigênio.

O que eu poderia dar àquela menina que já tinha de tudo em troca de tudo que ela me dava? Alguma coisa que ninguém pode dar antes de mim? Uma coisa só nossa e que selaria aquela união?

- Vou te dar um filho - disparei em uma pizzaria.
- impossível, me falta de um lado uma trompa e do outro um ovário
- vou tentar!
- ...
- pede outro guaraná.

Lia viria perdê-lo ainda nas primeiras semanas durante uma cirurgia para retirada de um tumor no rosto. Três meses depois, pela segunda vez em sua vida atrasa a menstruação. Ilana estava decidida.

Não foram poucos os percalços em nossas vidas, mas que só apertaram o nó da nossa união. Quando achava que a morte nem era assim tão feia e até uma boa companhia, Lia foi a deusa que me deu um sopro de vida. Vestiu-me com dignidade e me cobriu de beijos. Quando as coisas apertam e parece que o tempo vai fechar, Lia tem uma brilhante idéia que é perfeita para nós dois.

Com Lia vieram bons amigos e muito mais que alegria de viver, veio uma necessidade, uma determinação para viver a vida com a plenitude que ela exige de nós.

À Lia, le chaim!