terça-feira, 20 de março de 2012

Don Juan e o Puro Sangue Marchador

Havia pouco tempo que fazia aquele caminho. Casa nova, trabalho novo e novas caras. Era meio metódico e por isso, mesmo ainda cursando sua terceira década de vida, pegava de segunda a sexta a mesma condução, à mesma hora, no mesmo ponto e até já conhecia uns outros certinhos.

Mas os sistemáticos também amam e embora seus olhos estivessem sempre as voltas com uma leitura, quando necessário não descuidava a vista do “modus masculus”.

Eis que nesse dia subiu em seu ônibus, uma menina dos seus 50 e poucos e foi sentar-se, por certo pela falta de opção, em sua diagonal. Suas curvas ainda eram sinuosas e insinuantes, seu perfume não invadia mas também não negava presença. As leves marcas no canto dos olhos, mostrava apenas os sinais de uma vida, nada de sério, mas o que matava mesmo era o coque meio que relaxado, um misto de sisuda e brincalhona que, denunciando sua forte vaidade, escorria pelo lado de sua face. O que era dúvida e incerteza há uns trinta anos, trazia agora no olhar a confiança e a maturidade, que lhe emprestava uma sensualidade singular.

Impossível não reparar que suas pernas ainda faziam muita ginástica. Quando entrou, um rápido olhar diagnóstico confirmou que estava tudo em seu quadrado.

Se fez parecer muito séria e incomodada com o atrevimento próprio da juventude onde já estivera em um tempo que lhe parecia próximo, embora as marcas dissessem que não.

Quando algumas quadras depois sobe na condução uma jovem universitária, calça justa, decote dadivoso, sorriso solto, veloz e com grande mobilidade, além de uma certeza da verdade que só tem quem a desconhece por completo, o que era para ser sisudez tornou-se um incômodo e preocupação, as pernas cruzadas se descruzaram para cruzar de novo, pois o olhar do jovem pertencia agora a nova passageira.

Mas só uma sensível alma de don Juan, perceberia o que se passava. Abriu mão então da visão daquela potranca de trote rápido e corrida ligeira para fixar-se de novo na dama, que agora se mostrava um puro sangue marchador de looongas distâncias.

Até o fim da viagem manteve-se discreto e fiel em seus olhares e a marchadora aliviada e feliz, reclusa e firme em seu papel nessa peça. Puderam em seus devaneios voar livres na imaginação e um aceitava em estado de graça as carícias que o outro lhe ofertava no templo dos sonhos.

Finalmente chegando a dama ao seu destino, obrigou-se o jovem a se levantar oferecendo espaço e a sua passagem pode ouvir em sussurro:

- obrigada!

E murmurou de volta:

- Quem agradece sou eu.

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