Já fiz todo tipo
de conta e não me vem qualquer resultado que justifique o ódio alimentado por alguns
muçulmanos pelos judeus. Abdulah sempre que me encontrava, beijava meu rosto e
me saudava com “shalom” (paz). Eu retribuía o fraternal carinho e respondia –
“Aleikum al salam” (aos que chegam, que venham em paz).
Eu já era
graduado quando ele dava os primeiros passos na suave arte do Jiu Jitsu. Na
última vez que veio ao Brasil treinamos juntos. Com ele já formado escapei de
levar uma surra de alguém 20 anos mais novo por que apenas apontava os golpes e
a cada instante perguntava – c’est bien? Afinal, historicamente somos filhos do
mesmo pai.
Eu nem tenho
como culpar o velho, olhando todos os dias a bela Agar, que o encantava levando
água nos cântaros. Seus preenchimentos, na medida certa apenas para afirmar que
ali a vida existia, seu sorriso jovial, que não era um convite, mas uma
intimação e a medida de seus passos, matematicamente exatos para o balanço meio
contido de seus quadris, que dava ao seu caminhar uma espécie de dança do
ventre, transtornava o homem de dentro para fora.
Quase dois mil
anos depois, nascia em uma região próxima, no mesmo médio oriente, a simpática
Fath’ma, filha de um comerciante que após uma vida difícil, se fez líder
político e espiritual. Perdera o pai antes mesmo de nascer. Durante sua
infância ficaria ainda sem a proteção de sua mãe e de seu avô, tendo sido
abrigado então por um tio, mentor e amigo. Ali viria a se casar com Fath’ma e
se tornaria mais um problema no pós vida do sogro.
Mohamad, pai de
Fath’ma e fundador do islamismo, não só gostava dos judeus e de seus dissidentes,
os cristãos, como foi garimpar seus princípios religiosos e buscar neles apoio
às suas aspirações políticas. Mesmo frustrado nessa investida, sempre teve para
com esses grupos um tratamento diferenciado. Puniu com muito mais energia e rigor,
parte de seu próprio povo que não aderiu à nova ordem. É considerado por seus
seguidores o último profeta, depois do próprio Abrahão, seu filho e neto, do
rei Davi e de Jesus. Foi um iconoclasta e como os judeus, afirmava que “Adonai
echad” – Deus é único.
Sua morte
ensejou um cisma entre aqueles que defendiam a permanência da liderança com os
mais velhos, segundo a “suna” - tradição - e os que a esses se opunham, o grupo
do “xia” – camarada - Ali. Sunitas e Xiitas vivem às turras, até os dias de
hoje e são os maiores algozes de si mesmo. Depois dos russos e americanos, vieram
os talibãs ao Afeganistão, provocando ao seu povo, mais sofrimento e dor do que
os estrangeiros que por ali passaram.
No início de
fevereiro de 82, a
cidade Síria de Hama viveu uma das mais expressivas manifestações da crueldade
humana. Um destacamento do exército entrara na cidade a procura do líder Abu
Bakr, um fundamentalista sunita, que teria usado os autofalantes das mesquitas,
antes com a função de convocação às orações, para conclamar o povo a um
levante. Começava um capítulo de ódio raramente testemunhado na história, por
ter ocorrido entre irmãos. Invadiram as casas de simpatizantes do governo,
promovendo uma “purificação” de fazer corar Gengis Kahan.
Não tardou a
retaliação pelos donos do poder. Com requinte de crueldade perpetraram um
massacre que mal encontra paralelo com o setembro negro patrocinado pelo
hachemita Hussein da Jordânia em 1970. Não satisfeitos em bombardear durante 3
semanas, dos céus e das montanhas, as casas da velha cidade, com seus cerca de
40.000 civis, passaram por sobre os escombros
moto niveladoras, deixando a mostra partes do que havia sido uma comunidade.
Pedaços de móveis, utensílios e porque não, restos de corpos que apodreciam ao
léu. Foram responsáveis o pai e o tio do assassino de plantão e atual ditador
da Síria e considerado o maior ataque de um governo contra seu próprio povo.
Diziam que era
preciso mostrar do que eram capazes contra seus inimigos. INIMIGOS? Eram seus
irmãos. Professavam a mesma crença, falavam o mesmo idioma e dividiam até mesmo
o padrão alimentar. Naquela cidade e naquele tempo mostrou-se o lado negro da
natureza humana. Quando o bem não se faz presente, aflora o mal em suas
diversas facetas.
Quando corruptos
cometem genocídio ao colocarem água nas ampolas de remédios contra o câncer,
quando a falta de ambulâncias traduz o desvio de verba, quando se assiste a todo
tipo de artifício e falcatruas em benefício de algumas poucas pessoas, à custa
do bem de um povo a quem deveriam representar e proteger, se está cultivando uma
semente do mal que a seu devido tempo irá brotar como o Mal de Hama, que se identifica
como uma completa ausência de humanidade.