A fórmula
que certas pessoas encontram para tentar burlar o destino e segurar um pouco
mais entre nós um parente que parte, é distribuir seus pertences mais pessoais
entre os membros do clã. Desta maneira, com aquele objeto circulando por aqui, temos
a sensação de que o dono também anda por perto.
Meu
avô tinha a mania de guardar em uma antiga caixa de madeira, chaves que iam
perdendo sua função. Naquele tempo até que não era má ideia, pois sempre tinha
uma porta trancada esperando por uma chave. O amor é lindo! Atualmente, com a
facilidade da internet, é possível que achemos em um clique não apenas um
chaveiro de prontidão, mas como abrir uma porta com sal grosso, óleo de cozinha
usado e um palito de dente, que pode eventualmente também já ter sido
utilizado.
Eu
fui o beneficiado com aquela caixa de chave mestra, sim porque entre as
centenas de peças, sempre havia uma chave para uma porta, tipo um sapato para
cada pé ou vice versa e eu guardava aquilo como um tesouro. Embora não tenha
lembrança da oportunidade em que ela me pode ter sido útil, valeu a pena tê-la
mantido sob a guarda por tantos anos, me fez sentir que poderia se quisesse,
ter rompido várias barreiras.
Algumas
pessoas têm esse poder de romper barreiras. Elas trazem dentro de si uma chave
mestra que se expressa pelo seu bom humor, seu sorriso fácil, sua simpatia, seu
olhar maternal e um aspecto pretensamente frágil. Mamãe é assim, uma chave
mestra.
É
claro que mamãe foi junto fazer a matrícula na “minha” faculdade de
medicina. Naquela época, jovem e bobo, senti-me um pouco constrangido e acanhado.
Soubesse e sentisse o que hoje sinto e sei, teria levado mamãe pelos braços com
o maior sorriso no rosto.
Subindo
as escadas daquele imponente prédio na Praia Vermelha, logo à direita havia uma
porta que dava para uma pequena sala onde ficavam duas moças cumprindo um dever
de fundamental importância na vida dos futuros doutores – preencher papéis. O
balcão suportava talvez uns 3 ou 4 estudantes se muito. No intuito de organizar
os que chegavam, as meninas meio que criaram uma barreira quando uma delas se
dirigiu a minha mãe: - “e a senhora?” Futucando a caixa de chaves do fundo do
coração, abriu um largo sorriso, meneou a cabeça e lascou docilmente: “-minha
filha, viemos fazer nossa matrícula na faculdade”.
Muito
mais tarde entendi que havia sido minha primeira lição. Na prática diária da
medicina muitas vezes precisamos romper barreiras e abrir portas no fundo d’alma
de nossos pacientes, onde ficam guardados os segredos de um bom diagnóstico.