segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Chave Mestra


A fórmula que certas pessoas encontram para tentar burlar o destino e segurar um pouco mais entre nós um parente que parte, é distribuir seus pertences mais pessoais entre os membros do clã. Desta maneira, com aquele objeto circulando por aqui, temos a sensação de que o dono também anda por perto.

Meu avô tinha a mania de guardar em uma antiga caixa de madeira, chaves que iam perdendo sua função. Naquele tempo até que não era má ideia, pois sempre tinha uma porta trancada esperando por uma chave. O amor é lindo! Atualmente, com a facilidade da internet, é possível que achemos em um clique não apenas um chaveiro de prontidão, mas como abrir uma porta com sal grosso, óleo de cozinha usado e um palito de dente, que pode eventualmente também já ter sido utilizado.

Eu fui o beneficiado com aquela caixa de chave mestra, sim porque entre as centenas de peças, sempre havia uma chave para uma porta, tipo um sapato para cada pé ou vice versa e eu guardava aquilo como um tesouro. Embora não tenha lembrança da oportunidade em que ela me pode ter sido útil, valeu a pena tê-la mantido sob a guarda por tantos anos, me fez sentir que poderia se quisesse, ter rompido várias barreiras.

Algumas pessoas têm esse poder de romper barreiras. Elas trazem dentro de si uma chave mestra que se expressa pelo seu bom humor, seu sorriso fácil, sua simpatia, seu olhar maternal e um aspecto pretensamente frágil. Mamãe é assim, uma chave mestra.

É claro que mamãe foi junto fazer a matrícula na “minha” faculdade de medicina. Naquela época, jovem e bobo, senti-me um pouco constrangido e acanhado. Soubesse e sentisse o que hoje sinto e sei, teria levado mamãe pelos braços com o maior sorriso no rosto.

Subindo as escadas daquele imponente prédio na Praia Vermelha, logo à direita havia uma porta que dava para uma pequena sala onde ficavam duas moças cumprindo um dever de fundamental importância na vida dos futuros doutores – preencher papéis. O balcão suportava talvez uns 3 ou 4 estudantes se muito. No intuito de organizar os que chegavam, as meninas meio que criaram uma barreira quando uma delas se dirigiu a minha mãe: - “e a senhora?” Futucando a caixa de chaves do fundo do coração, abriu um largo sorriso, meneou a cabeça e lascou docilmente: “-minha filha, viemos fazer nossa matrícula na faculdade”.

Muito mais tarde entendi que havia sido minha primeira lição. Na prática diária da medicina muitas vezes precisamos romper barreiras e abrir portas no fundo d’alma de nossos pacientes, onde ficam guardados os segredos de um bom diagnóstico.