terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Atabrás, o Messias Brasileiro


Mais que a munição dos aliados, foi Ataturk, o pai dos turcos, a verdadeira pá de cal que enterrou por definitivo o Império Otomano. A partir do século XIII a onda muçulmana invadiu a Europa, norte da África, Oriente Médio e estendeu seus tentáculos por setecentos anos, indo até a Península Ibérica onde deixou suas marcas e uma linda herança cultural.

No final da primeira grande guerra fez-se a partilha do butim, porém a Turquia queria mais, cabendo a esse líder, um verdadeiro estadista, a reorganização daquela sociedade e seu resgate da idade média. Sem perder sua identidade muçulmana, Ataturk promoveu uma série de reformas, que de tão intensas e radicais ganhou nome próprio - Kemalismo, uma alusão ao seu segundo nome, Kemal – perfeição, maturidade – e que era, também como o nome “Ataturk”, uma invenção, por que até então, por norma, só existia o pré-nome, no caso “Mustafá”, um desconhecido que viria a se revelar um verdadeiro messias, morto pelas mãos de seu companheiro constante, o álcool, ironicamente libertado das garras do fanatismo islâmico pelo kemalismo.

Voltando nossos olhos agora para a terrinha dos Cabrais (que merda hein!), também aqui encontramos um líder político cujo nome vai para a história por, entre outras baixarias, ter desbancado o Piauí como símbolo de atraso, em favor do seu estado, o Maranhão.

Seu nome, diferente de Ataturk e por estranha coincidência, deriva de um parasita – José da Sarna, vulgo Sarney, com “Y”, à época, uma letra estranha ao nosso alfabeto. Esse é um país muito permissivo com as transgressões, desde administrativos até no vernáculo. O que Dilma fez ao optar por ser chamada de “presidenta” não foi criar um neologismo, longe que está de Guimarães Rosa, mas perpetrar um virulento ataque ao nosso idioma.

Em oposição ao personagem turco, o da sarna tudo faz para levar o país a um tempo de escuridão intelectual, social e moral. Sua trajetória política é um mar de oportunismos. Seus interesses foram a constante de sua vida e suas amizades efêmeras e falsas. Traiu seu povo, seus amigos, os princípios democráticos que tanto alardeia e contribuiu de forma singular para disseminar uma cultura nacional maquiavélica.

Eu sonho em encontrar uma lenda indígena tupiniquim que fale de alguma entidade mágica que ainda descerá dos céus, - “virá que eu vi” -, como dizia Caetano, para libertar seu povo do limbo da crueldade humana.

Há cerca de 2000 anos o mundo presenciou outra Primavera Árabe. A classe dominante era então representada pelos romanos que cobravam impostos absurdos de sua gente sem dar grandes coisas em troca. Quando mesmo o pão e circo já não eram suficientes, começou a brotar na alma dessa gente a semente da indignação. Sentimento que falta ao brasileiro!

Ansiava-se por uma salvação que literalmente caísse do céu. O campo fértil da ignorância foi o caldo de cultura que fez com que a cada momento, apontassem um salvador. Quando do alto da montanha, olhando a cidade de ouro, Jerusalém, Jesus se viu cercado por uma multidão, rapidamente se descalçou e pediu um burrico, pois assim rezava a lenda –“O messias viria seguido pela multidão de prosélitos, descalço e montado em um asno.” Perdoem-me a incursão nesse campo tão delicado, mas apenas componho a música, a letra está registrada nas escrituras.

No Brasil a natureza tem feito sua parte na produção de pragas, como essas enchentes em um pólo e a seca em outro, mas esse povo que é uma liga de várias etnias resiste bravamente.

Paradoxalmente para um ateu e homem do bem, rezo para que lhes falte o pão e o circo, que lhes exploda a indignação no peito e que lhes surja um “atabrás”, ainda que de pés na terra e dirigindo um calhambeque, mas que venha cheio de esperança, de razão, lógica e bom senso, para que no fim de tudo possamos nos curvar, não para pedir, mas para agradecer por uma graça alcançada. Amém.

Leia artigos médicos clicando aqui

domingo, 8 de janeiro de 2012

À Lia, Lechaim


Poderia começar afirmando com tranqüilidade que o torno mecânico que Deus usou na confecção da Lia é de ouro e platina, foi usado apenas uma vez e está exposto em um pedestal lá no céu, mas vou optar por contar nossa história segundo minha ótica.

Conheci a Lia por uma trapaça do destino. Depois dos tempos das vacas gordas, havia procurado a sinagoga oferecendo meus préstimos na esperança de divulgar um trabalho e quem sabe colher alguns frutos, porque não?! Meus filhos haviam ido lá, também em busca de socorro, pois atravessávamos um período de vaca nenhuma.

Trouxeram um cartão de uma Lia, que não era a que minha seria, escrito nas costas o telefone de outra Lia, que sabia o destino já era minha, posto que de ninguém mais seria.

Nosso primeiro contato já foi uma longa conversa ao telefone que se prolongou pelos dias e semanas seguintes. Ambos somos pródigos na arte da conversa e não é a toa que Ilana não deixa ninguém falar.

Partimos para os e-mails e ficamos entre esse e o telefone por 2 ou 3 meses até que em um evento para os médicos que participavam do projeto que Lia, a minha, conduzia, tivemos a oportunidade de olhar um nos olhos do outro.

- É a cara da voz! – disse minha Lia. Eu engasgado fiquei sem voz e no Olimpo os deuses se riam!

A partir de então nossa conversa já era uma rotina diária. O único dia em que não nos falamos não existiu, foi apagado do nosso calendário e registrado no diário de bordo como uma falha que jamais deveria se repetir. Até que houve o momento que não mais nos víamos...separados. A sensação era de reencontro de almas de vidas passadas, passadas como uma só vida. Nossa existência juntos era uma imposição natural como é o oxigênio.

O que eu poderia dar àquela menina que já tinha de tudo em troca de tudo que ela me dava? Alguma coisa que ninguém pode dar antes de mim? Uma coisa só nossa e que selaria aquela união?

- Vou te dar um filho - disparei em uma pizzaria.
- impossível, me falta de um lado uma trompa e do outro um ovário
- vou tentar!
- ...
- pede outro guaraná.

Lia viria perdê-lo ainda nas primeiras semanas durante uma cirurgia para retirada de um tumor no rosto. Três meses depois, pela segunda vez em sua vida atrasa a menstruação. Ilana estava decidida.

Não foram poucos os percalços em nossas vidas, mas que só apertaram o nó da nossa união. Quando achava que a morte nem era assim tão feia e até uma boa companhia, Lia foi a deusa que me deu um sopro de vida. Vestiu-me com dignidade e me cobriu de beijos. Quando as coisas apertam e parece que o tempo vai fechar, Lia tem uma brilhante idéia que é perfeita para nós dois.

Com Lia vieram bons amigos e muito mais que alegria de viver, veio uma necessidade, uma determinação para viver a vida com a plenitude que ela exige de nós.

À Lia, le chaim!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Mulher Sem Bunda


“ - Essa mulher não tem bunda...!” Era ainda pequeno quando ouvi isso de meu pai. Nem quis olhar. Imaginei que pudesse ser a expressão traseira oposta a de um prognata. Ao mesmo tempo percebi nele uma inspiração profunda, o aperto dos lábios e o movimento rápido dos olhos.  A imaturidade me vez criar uma história que se adaptava às necessidades imediatas das minhas fantasias, sem uma análise mais cuidadosa e criteriosa da informação recebida.

A nossa mente faz isso. Nas muitas das vezes temos uma concepção das coisas que é difícil de mudar. É mais fácil adaptar o que vemos ao nosso universo do que ter o espírito flexível para aceitar o que não é espelho.

Vivemos hoje em um mundo onde a informação viaja tão rápido que em sua grande maioria carece de constatação e como ninguém quer ficar para trás, passe-se adiante como uma verdade incontestável.

Na defesa de tese de minha filha, há um episódio curioso. Há poucos anos, no meio de uma daquelas manifestações de palestinos em Israel, um jovem começou a vociferar em árabe, gesticulando como um louco. Mais do que ágil, um fotógrafo de um grande jornal registrou a cena e enviou via internet à agência central que imediatamente colocou a matéria na rede, copiada por outras agências menores, referindo-se ao ator como uma vítima da truculência do exército israelense. Minutos depois soube o fotógrafo através de seu intérprete que o jovem prometia a vinda de um messias, era um doente psiquiátrico e motivo de galhofa dos próprios manifestantes. O mal já estava ciberneticamente feito. Faltou maturidade para digerir os fatos.

Hoje, mais velho, mais condescendente e mais lento em quase tudo, procuro analisar sem precipitação os fatos que se apresentam de forma a poder curtir amigos que se fizeram ocultos por causa de uma primeira impressão mal digerida, calar e permitir que o silêncio possa clarear minhas idéias para nortear meus atos e mostrar os dentes em um largo sorriso no lugar de uma pequena ameaça.

Estava de plantão quando o Iraque foi invadido pelos EUA. Fiquei feliz pela queda de um anticristo, mas a vida já me havia feito mais experiente e fiquei como se diz, com um pé atrás, sabendo que este caíra, provavelmente pelas mãos de outro anticristo. O tempo mostrou que não existiam as armas prometidas, a bilionária reconstrução do país passa pelas mãos de contribuintes de campanhas políticas e a administração pelo crivo de pessoas que não sabiam nem mesmo o alfabeto local. Um exército de ditos terroristas foi criado pelo administrador do momento ao desfazer as forças armadas iraquianas em uma penada. Do dia para a noite, milhares de iraquianos armados e com as chaves do paiol, perderam sua função e capacidade de levar para casa o leite das crianças, por um capricho do salvador, que sob uma visão obtusa, veio para libertar.

A Inglaterra, representante da moral e bons costumes no além mar, têm em sua história atitudes que envergonham a raça humana. Entregou a Áustria para Hitler na esperança de se ver distante da briga que se avizinhava, mas pagou caro, recebendo por três meses sobre suas cabeças, as mensagens de agradecimento dos alemães através das bombas V1 e V2. Foi de extrema crueldade em meados do século 19, período da grande fome na Irlanda em virtude da praga na plantação das batatas, sua principal fonte de alimento, contribuindo para a morte por inanição de mais de 800 mil irlandeses. Ao agir por baixo dos panos na troca do Paraguai pelo Uruguai da Triplica Aliança e pelas palavras do seu embaixador ao declarar na Liga das Nações que só sossegariam com a eliminação do último paraguaio ainda no ventre materno. Dizimaram cerca de 90% de sua população masculina ativa. É claro que suas ações sempre foram pautadas pelas melhores das intenções, muitas das vezes mal interpretadas justamente pelos que se aprofundavam no tema.

Por exemplos como esses é que devemos aguçar nosso julgamento indo até bem fundo, no cerne das questões que surgem em nosso caminho para não cometer injustiças.

E lá estávamos papai e eu, agora já vovô e papai, sentados na orla de Ipanema tomando inocentemente uma água de côco, por vezes falando e outras curtindo a companhia um do outro, ouvindo o ruído das ondas e das ruas quando outra vez ele vaticina – “Aquela mulher não tem bunda” – dessa vez olhei e esperei um pouco para digerir o que significava dizer que aquela enviada do Olimpo não tinha bunda, quando veio a seu tempo, acompanhada de uma leve contração da comissura labial a complementação de seu pensamento – “A sua coluna vertebral desemboca em um poema de amor!”

Morro de saudades do meu pai.