Iankel
era um predestinado. Nascera em uma família tradicional com tudo muito em seu
devido lugar, no tempo certo e da forma correta. Da escola trazia sempre boas
notas, era querido pelos coleguinhas e o preferido das professoras. Na
faculdade era cercado de amigos. Para descrevê-lo de forma sucinta diria que
era um líder entre os homens e o tipo querido das mulheres.
Seus
pais e os pais destes eram pessoas destacadas na comunidade, não faltavam ao
culto do Shabat e além de cumprir com o que acreditavam ser sua obrigação sob a
ótica de suas convicções religiosas, contribuíam generosamente para causas
sociais.
Cresceu
nesse clima de retidão e dogmas, ambientado nas histórias da bíblia e exemplos
da Torah, por onde viajava sua imaginação e delírios em mil e uma noites. Era
assíduo nas organizações juvenis onde se tornou um expoente. Não foi surpresa,
portanto quando anunciou seu desejo de se tornar um rabino, pelo contrário, era
uma expectativa da família e foi comemorada como uma vitória de eleição
presidencial.
A
vaidade é talvez o mais terrível dos pecados capitais. Junte-se a isso a
presunção e o resultado é o desaparecimento súbito do chão sob seus pés.
Lembro-me de um campeonato de lutas marciais mistas, ainda nos primórdios dessa
modalidade, onde o grande campeão e disparado favorito, entrou no ringue contra
um ilustre desconhecido. De guarda baixa e nariz empinado acreditava piamente
que a sua figura seria o suficiente para espantar a valentia de qualquer um.
Foi atingido já nos primeiros segundos por uma martelada no queixo e só soube
do ocorrido muitas horas depois, já no leito do hospital, devidamente atendido
e medicado.
Outra
forma de garantir a derrota é subestimar o inimigo. A história nos presenteia
com inúmeros exemplos. Geralmente as vítimas esquecem de pequenos detalhes,
justo do tipo que por milênios vem moldando a história da humanidade. Se isso,
se aquilo!
E
lá ia a vida dando linha a Iankel, quando chega a hora de assumir a liderança
em uma sinagoga. No primeiro dia subiu ao púlpito tal qual o campeão, muito
confiante, nariz para cima, sem qualquer sinal de humildade que a generosidade
da vida se furtou em plantar naquele fértil terreno.
A
preleção foi pontuada por uma inesperada gagueira, se perdeu entre o início o
fim e o meio, sua lógica foi míope e o que era para ser um triunfo mostrou-se o
caos.
Desceu
abatido e cabisbaixo, uma figura distante daquela que se via habitualmente e
foi direto buscar explicação na sabedoria do velho rabino cuja experiência de
vida estava disfarçada sob sua longa barba, marcada em sua pele e em sua coluna
curvada.
Dos
labirintos das mais diferentes culturas, mosaica, hindu, muçulmana e demais, o
velho trouxe à tona com uma espantosa simplicidade um misto de cristalina
sabedoria e profícua experiência:
- Se
você tivesse subido como desceu, teria descido como subiu.
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