quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A Mão Extraterrestre

Nem brigar comigo no trânsito as pessoas querem mais. Quando vêem que se trata de um senhor, passam a ser condescendentes e até fraternais. Só isso bastaria para confirmar que o meu tempo passou e que de fato envelheci. Mas a vida se mostra, na sua ironia e crueldade, mais requintada.

Eu definitivamente não sou mais jovem, embora digam que eu permaneça com uma estranha beleza. Algo de maturidade, consciência e compreensão da natureza humana. É bem provável que a mente tenha embotado um pouco, tenho me surpreendido com a falta de equilíbrio na bicicleta, a visão, nossa, essa chegou a quase 5 graus em cada vista, passo os dias na esperança de um só dia e no trânsito estou ficando “punk”, mas a perspicácia, a capacidade de entendimento e de enxergar o que não é visto ainda permanecem aguçados.

Quando jovem, tive um fusquinha onde a sinalização de dobrar para os lados era uma barra que saia da coluna do carro, piscando e acionada manualmente. Depois com os aprimoramentos da modernidade da época passou a ser semiautomático, se não me falha a memória, acionado por um botão eletrônico no painel. Estão vendo a embotada?!

Hoje, a velocidade e a condescendência no trânsito não estão nem na memória. Perderam-se na pressa do dia a dia, na frieza das relações humanas regadas ao ódio plantado na injustiça social. Hoje o sistema é totalmente eletrônico e sem qualquer vestígio de humanidade no processo.

Cansei de presenciar mãos abertas com a palma para cima, como quem questiona e desafia, sempre a um passo das vias de fato, onde não raro esse embate acaba em morte.

Foi nesse contexto que me surgiu naturalmente a ideia de tornar minha sinalização mais humanizada. Meu companheiro de estrada não estaria disputando o espaço ou fazendo do seu carro uma arma. Passei a pedir passagem com a mão espalmada para baixo, como quem suplica, se mostra humano e não um robô. Quase trêmula e com movimentos rápidos essa mãozinha consegue na quase totalidade das vezes a simpatia do motorista e o espaço para alcançar o outro lado da via, quando se percebe o traço de gente dentro da máquina.

As pessoas precisam saber que há um semelhante com seus medos, suas angústias e ansioso por encontrar um igual. A mão humana estendida quebra a expectativa de estar transitando com extraterrestres ou inimigos a serem abatidos.

De repente essa simples mãozinha era o exercício que precisávamos para reencontrar nossa humanidade.

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