Nem brigar comigo no trânsito as
pessoas querem mais. Quando vêem que se trata de um senhor, passam a ser
condescendentes e até fraternais. Só isso bastaria para confirmar que o meu
tempo passou e que de fato envelheci. Mas a vida se mostra, na sua ironia e
crueldade, mais requintada.
Eu definitivamente não sou mais
jovem, embora digam que eu permaneça com uma estranha beleza. Algo de
maturidade, consciência e compreensão da natureza humana. É bem provável que a
mente tenha embotado um pouco, tenho me surpreendido com a falta de equilíbrio
na bicicleta, a visão, nossa, essa chegou a quase 5 graus em cada vista, passo
os dias na esperança de um só dia e no trânsito estou ficando “punk”, mas a
perspicácia, a capacidade de entendimento e de enxergar o que não é visto ainda
permanecem aguçados.
Quando jovem, tive um fusquinha onde a
sinalização de dobrar para os lados era uma barra que saia da coluna do carro,
piscando e acionada manualmente. Depois com os aprimoramentos da modernidade da
época passou a ser semiautomático, se não me falha a memória, acionado por um botão eletrônico
no painel. Estão vendo a embotada?!
Hoje, a velocidade e a condescendência
no trânsito não estão nem na memória. Perderam-se na pressa do dia a dia, na
frieza das relações humanas regadas ao ódio plantado na injustiça social. Hoje o
sistema é totalmente eletrônico e sem qualquer vestígio de humanidade no
processo.
Cansei de presenciar mãos abertas com
a palma para cima, como quem questiona e desafia, sempre a um passo das vias de
fato, onde não raro esse embate acaba em morte.
Foi nesse contexto que me surgiu
naturalmente a ideia de tornar minha sinalização mais humanizada. Meu
companheiro de estrada não estaria disputando o espaço ou fazendo do seu
carro uma arma. Passei a pedir passagem com a mão espalmada para baixo, como
quem suplica, se mostra humano e não um robô. Quase trêmula e com movimentos
rápidos essa mãozinha consegue na quase totalidade das vezes a simpatia do
motorista e o espaço para alcançar o outro lado da via, quando se percebe o
traço de gente dentro da máquina.
As pessoas precisam saber que há um semelhante com seus medos, suas angústias e ansioso por encontrar um
igual. A mão humana estendida quebra a expectativa de estar transitando com extraterrestres
ou inimigos a serem abatidos.
De repente essa simples mãozinha era
o exercício que precisávamos para reencontrar nossa humanidade.
Adorei !!!
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